terça-feira, 30 de setembro de 2008

o clássico vovô.

no último domingo, dia 28, foi disputado, pelo campeonato brasileiro, mais um clássico vovô. botafogo e fluminense escreveram mais uma página na história do clássico mais antigo do brasil. o empate em 1 a 1 foi ruim para ambas as equipes, porém teve sabor de vitória para o fluminense, que empatou no último lance do jogo, com um gol do zagueiro edcarlos, ex-são paulo. desta forma, o botafogo se distancia do título e da vaga para a copa libertadores da américa do ano que vem, e o fluminense passa a amargar a lanterna do brasileirão. mas o clássico já viveu dias muito mais charmosos.
fundado em 1902, o fluminense football club, foi o primeiro dos hoje reconhecidos como 4 grandes clubes do rio de janeiro (fluminense, botafogo, flamengo e vasco) a praticar o futebol. aliás, como o próprio nome diz, nasceu praticando o esporte, assim como o botafogo, que é de 1904, e diferentemente do flamengo que, fundado em 1895, começou como clube de regatas e somente mais tarde se rendeu à popularidade do futebol e começou a praticá-lo.
naquela época o futebol era um esporte de elite, praticado principalmente por imigrantes ingleses que, em sua maioria, haviam vindo ao brasil para trabalhar na construção de ferrovias ou na indústria têxtil. muito bem remunerados e de cultura refinada, naturalmente passaram a se relacionar com a elite carioca, fundamentalmente composta de descendentes de portugueses, quando não lusitanos de fato, abastados. com o passar dos anos, o futebol passou a ocupar, cada vez mais, o lugar do remo como principal esporte na preferência popular. e dentro deste processo, muito se deve ao clássico vovô.
o primeiro clássico vovô foi disputado em 22 de outubro de 1905. foi um amistoso, no ground do fluminense, e terminou 6 a 0 para os anfitriões. nos anos seguintes o confronto foi se repetindo e assim foi amadurecendo a rivalidade entre os dois clubes. em trecho de "o negro no futebol brasileiro", mario filho descreve a atmosfera pré-jogo de uma partida realizada no início da década de 1910:


"Nas ruas, um homem metido numa enorme bola de papelão, as pernas e cabeça de fora. Na bola, em letras grandes, o anúncio do jogo. 'Hoje, no ground do Fluminense, grande match de futebol, Fluminense e Botafogo. Hoje, todos ao ground do Fluminense."

assim o clássico cresceu e se tornou o clássico vovô. em 103 anos de rica história, o duelo decidiu 4 campeonatos cariocas, com o fluminense vencendo em 3 oportunidades (1946, 1971 e 1975) e o botafogo sagrando-se campeão, já com mané garrincha, em 1957.
nos últimos anos, fluminense e botafogo têm feito clássicos muito equilibrados, normalmente com poucos gols. também não decidem títulos de expressão há 23 anos. porém, nada pode diminuir a magia deste confronto centenário. a magia da tradição do mais antigo clássico do futebol brasileiro. o clássico vovô.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

futebol brasileiro em transe, já!

há pouco mais de 19 anos, a confederação brasileira de futebol é presidida e administrada pela mesma pessoa: ricardo teixeira. durante todo este tempo, a entidade lucrou muito, construiu uma nova e suntuosa sede, também no rio de janeiro (como todas as anteriores), vendeu os direitos de comercialização dos jogos da seleção brasileira para um grupo estrangeiro especializado em organização de eventos esportivos; tudo isso sob a máscara de uma administração vitoriosa, que se vangloria de ter sido responsável pela conquista de duas copas do mundo (1994 e 2002), como se o futebol brasileiro, alguma vez, tivesse precisado da cbf para conquistar algum título. muito pelo contrário. talvez, se tivesse sido gerido de outra forma, provavelmente teria conquistado muito mais.
o jogo de ontem, contra a bolívia, no engenhão, foi o espelho de todo este processo. a começar pelo local do jogo, um estádio lindíssimo, porém comprovadamente construído com superfaturamento para a realização dos jogos panamericanos do rio de janeiro, no ano passado. não podemos deixar de lado também, o preço dos ingressos. dos 45 mil que foram colocados à venda, 15 mil(!!!), isso mesmo, 15 mil foram disponibilizados para convidados e camarotes corporativos, aqueles espaços em que os fiéis representantes da elite branca podem tomar o seu champagne e posar para suas fotos em colunas sociais enquanto, de vez em quando, espiam o jogo ao fundo. aproximadamente 20 mil ingressos foram colocados à venda com preços de 100 ou 200 reais e apenas 10 mil foram destinados ao povão, com o módico preço de 30 reais. resultado: arquibancadas vazias e uma verdadeira luta de classes na platéia. de um lado, a elite do camarote, de outro, o povão da arquibancada. fenômeno semelhante ao que ocorria na década de 1910, em que havia uma divisão do espaço destinado aos espectadores nos estádios. nas aquibancadas os ricos, e na geral, os pobres, que eram obrigados a assistir o jogo em pé. neste aspecto, ao contrário do que tenta vender a cbf, com seu nefasto discurso de modernidade, o futebol brasileiro está 100 anos atrasado.
pois bem, vamos ao jogo. um jogo horroroso, uma seleção brasileira apática, sem brilho, sem criatividade, sem jogadas ensaiadas, uma orquestra de grandes músicos, porém sem maestro e totalmente desafinada. um time mal convocado, mal escalado e mal substituído, um verdadeiro desastre. as vaias foram inevitáveis, porém incomuns. foram vaias de vergonha, de desprezo, de ódio. um pouco escassas, é verdade. o pessoal do camarote não devia estar muito preocupado com isso.
vi o jogo e fui dormir com o mesmo sentimento dessa gente da arquibancada, da geral dos anos 10. de indignação. depois fiquei pensando o que poderia ser feito para reverter este quadro. somente demitir dunga, talvez não seja o caminho. deve-se promover um movimento de democratização da cbf. para o bem da seleção masculina, da feminina mais ainda e, principalmente, algo que sirva de exemplo para os clubes de futebol do brasil. que aconteça em todos eles processos similares aos que aconteceram em vasco e conrinthians, que depuseram seus ditadores recentemente. o corinthians ainda aprovou um estatuto que proíbe a reeleição, um grande passo. a cbf poderia seguir o mesmo caminho, mas por vontade própria, certamente não seguirá.
estou convencido de que apenas com uma verdadeira tragédia futebolística, algo poderá ser feito. baseado mais na fé e na devoção (tipicamente brasileiras) do que na lógica aristotélica ou qualquer lógica de outra natureza, sinceramente acredito que somente uma não-classificação para a próxima copa do mundo possa mobilizar a sociedade para uma mudança profunda. seria a morte do futebol brasileiro. para isso, me apóio nas palavras de glauber rocha, pai do cinema novo, mais especificamente em trecho brilhante de "terra em transe", uma de suas grandes obras:


Ando pelas ruas e vejo o povo magro, apático, abatido. Este povo não pode acreditar em nenhum partido.

Este povo alquebrado, cujo sangue sem vigor... Este povo precisa da morte mais do que se possa supor.

O sangue que estimula meu irmão à dor, o sentimento do nada que gera o amor.

A morte como fé, não como temor!

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

sobre o clube de regatas do flamengo

era 1912. o flamengo já tinha 17 anos de fundação, porém jamais havia se aventurado num campo de futebol. era um clube de regatas, apenas regatas. fluminense e botafogo já faziam seus matches desde a década anterior. como descreve brilhantemente mario filho em seu clássico "o negro no futebol brasileiro", naquele ano de 1912, assim surgiu o flamengo que hoje conhecemos:



(à época havia) Um traço comum: a paixão pelo futebol. Era isso que assustava o clube de remo. De tal modo que foi uma luta convencer o Flamengo a entrar para o futebol. Nem mesmo recebendo de presente um time campeão, inteirinho, que tinha saído do Fluminense.


Dos campeões de 11, somente dois ficaram fiéis ao Fluminense: Osvaldo Gomes e Calvert. Os outros, Baena, Píndaro e Neri, Lawrence, Amarante e Galo, Baiano, Alberto Borghert e Gustavo de Carvalho, alguns do Rio (Futebol Clube), o clube de garotos do Fluminense, dispostos a ir para o Flamengo. E levando sócios com eles, torcedores, gente que o Flamengo precisava.


O Flamengo hesitou, acabou cedendo, mais para fazer uma experiência. Se o futebol não combinasse com o remo, nada feito.


...


(poucos anos depois) Também o remo e o futebol já se tinham misturado. O Flamengo não era mais dois clubes que viviam juntos, um de remo, outro de futebol, era um clube só. Com mais glórias até no futebol do que no remo. Só depois de levantar dois campeonatos de futebol é que o Flamengo levantou um campeonato de remo.


O futebol fizera-o mais forte em tudo, até no remo.



e foi assim que surgiu a maior torcida de futebol do mundo. deste embrião.
o flamengo sempre foi grande no futebol. pode-se dizer que este período de abnegação ao esporte bretão, de 17 anos desde a sua fundação, foi uma espécie de gestação do sentimento futebolístico no coração do flamenguista. e quando este desabrochou, foi com vontade. o flamengo é raça, paixão, tradição. o flamengo é arte. é futebol-arte.
o flamengo só não teve pelé porque o rei era vascaíno, mas teve seu antecessor e seu sucessor zizinho e zico, respectivamente. teve também dida, ídolo de zico. dida era o camisa 10 e principal craque da seleção às vésperas da copa de 58, quando sofreu uma contusão e deu lugar ao jovem pelé. até garrincha jogou no flamengo, porém sem brilho, em fim de carreira. nem precisava, seria muita crueldade que garrincha não tivesse brilhado no botafogo, e sim no flamengo.
os campeonatos começam e terminam, o flamengo os vence ou os perde, mas aconteça o que acontecer, o flamengo continua flamengo. não sou flamenguista, particularmente no rio de janeiro até tenho mais afinidade com o botafogo, mas é impossível ficar indiferente ao brilho ofuscante do flamengo.
ontem cometi uma tolice, apostei contra o flamengo com meu irmão flamenguista.
no atual campeonato brasileiro, o flamengo ocupa a 4° posição, com 40 pontos ganhos. após um ótimo início, quando liderou a competição por várias rodadas, o time de caio júnior sofreu algumas baixas, em decorrência da janela de transferências dos clubes europeus, perdendo alguns importantes jogadores transferidos para o exterior. como solução foi buscar atletas de outros países da américa do sul, como o uruguaio sambueza, de outras equipes nacionais, como o atacante vandinho e até da europa, como o veterano marcelinho paraíba, entre outros. após um período de queda de rendimento e de adaptação destes novos atletas, o flamengo parece estar readquirindo a velha forma e, se aproveitando do nivelamento (por baixo) de todas as equipes do brasileirão, vem subindo de produção e vencendo importantes jogos, como o de ontem, contra o figueirense, em florianópolis, por 3 a 2.
agora, voltando à aposta: eu apostei que o flamengo perderia ou empatava e o meu amigo que o flamengo venceria. conseqüentemente, se eu vencesse, ele teria que me pagar uma cerveja e se ele (ou o flamengo, como preferir) vencesse, eu teria que lhe pagar uma cerveja e escrever sobre o jogo de ontem no blog.
aceitei na hora, mas nem tomei conhecimento do jogo. no fim das contas, tenho de fazer uma confissão. no fundo, no meu inconsciente, eu estava torcendo para o flamengo pois, pensando melhor, eu só teria a ganhar. ganhar a oportunidade de pagar uma cerveja ao meu amigo-irmão flamenguista-roxo (e tomá-la com ele, obviamente) e de escrever sobre esta página das mais importantes da história do futebol: o clube de regatas do flamengo.