quarta-feira, 31 de julho de 2013

O tempo e o Nense.

O Fluminense Football Club foi pioneiro no futebol profissional do Brasil. Sempre apoiado em poupudos incentivos financeiros advindos da elite carioca, a partir da segunda metade da década de 1930 até o início dos anos 40, o Fluminense reinou absoluto nos torneios cariocas e conseguiu as suas primeiras conquistas internacionais. Toda essa modernidade, um claro reflexo da sociedade da então capital da república, com nítidos paralelos a inúmeros aspectos derivados, como a lógica conservadora e a moral banhada em preconceito racial e de origem socioeconômica - características compartilhadas com a maioria dos clubes de futebol à época, e que preservam alguns fortes traços até os dias de hoje.

Sua suntuosa sede, construída em arquitetura neoclássica, dotada de lustres de cristal austríaco e peças de porcelana e prata, constituída no bairro das Laranjeiras desde o início do século, já tinha a companhia do charmoso e acanhado estádio, e abrigava festas e eventos da alta sociedade. O Fluminense nadava de braçada nesse mar de luxo e glamour, e emplacava vitoriosas equipes nas já popularizadas competições de futebol.

O tempo passou, o futebol profissionalizou seus jogadores, de forma generalizada, o Fluminense tornou-se um time de massa, eliminou as restrições raciais, ganhou títulos, conquistou respeito no meio futebolístico e se posicionou como uma das maiores forças do futebol brasileiro. No momento em que as contradições do sistema forçaram os clubes - reféns do desenvolvimento da lógica moderna - a profissionalizarem a sua administração como medida essencial de sobrevida, o Fluminense entregou as suas finanças do futebol profissional e, como consequência, o seu poder de decisão nos assuntos relacionados, a uma empresa de planos de saúde. Veja só, que golpe da modernidade! O mais claro reflexo da sociedade moderna, a privatização do que jamais poderia ser privatizado: o futebol. Digo, a saúde. Que ironia, não?

O capital, histórico aliado do Fluminense, armou uma jogada inesperada e impôs ninguém menos que Vanderlei Luxemburgo, flamenguista, no comando do futebol tricolor. Mais do que isso, como num amálgama de conceitos, tendências, morais, preconceitos, lógicas tortas, medos privados e tudo de menos revelável que qualquer personalidade possa ter, desvelou-se o mais obscuro desejo da elite tricolor: o de ser igual aos "outros".

quarta-feira, 17 de julho de 2013

O Vasco e Flamengo dos padrões FIFA.

Ainda que os números defendam com afinco e alguma galhardia a lógica que reverte o senso comum de crença em alguma superioridade rubro-negra sobre o gigante-da-colina, não vamos nos render a estes gélidos signos, de tanta arrogância, rispidez e indiferença. Quem lhes queira, que vá atrás das compilações de dados, tão úteis e monótonas quanto um frasco cúbico de isopor. Aquele mesmo que mantém geladas as companheiras cervejas que acompanham o ritual clássico de se assistir o jogo dos milhões. 

São milhões. Reunidas, a 1ª e a 5ª maiores nações do futebol brasileiro, numa seleção de 50 mil abastados agraciados pela ocasião, em plena capital nacional, fazem ensurdecedor ruído de paixão incondicional. Apenas a reverberação de uma orquestra de percussão de mais de 60 milhões de almas devotas. Corações rendidos.

O presente, como se vê, não é de flores. O Flamengo passa por uma reestruturação organizacional, bem aos moldes das corporações capitalistas, afinal, tem em seu comando geral um burguês de mão cheia, o novo presidente, que poucos sabem o nome e o elegeram muito mais pelas credenciais da grana do que por alcunha, representatividade histórica, paixão, ou coisa que os valham. O técnico, Mano Menezes, um perfeito gerente de departamento corporativo. Meio estilo disciplina do capital, meio militar reformado - apesar de ele mesmo nem sonhar-se desta maneira - costuma funcionar. Apesar do revés na seleção, este gaúcho de pouco mais de 50 anos, joga o futebol de justos resultados. Aposta tudo no seu faro de placares mínimos e vitórias apertadas. Costuma dar heroica moldura aos seus comuns triunfos. Eu acho, é pouco. 

O flamenguista nunca gostou de miséria e, em que se puder evitá-la, como no campo de futebol, dos sonhos por novos Zicos, Júniors, Leandros, Nunes, Andrades e Adílios, que faça-se desta forma, pensa o rubro-negro. O time, ainda meio que uma desordenada compilação de médios-talentos, como o goleiro Felipe, o bom e velho Leonardo Moura, o gringo-brasileiro valente González na zaga, e boas surpresas, por vezes nem tão novas assim, no meio, como Elias e Paulinho (não esse de hoje). Na frente, Marcelo Moreno, um caneludo de primeira, acompanhado do bom Gabriel. A qualquer momento, conta-se com presença colérica do jovem Nixon, de poderoso futebol. 
       
De forma melancólica, pode-se dizer que foi suficiente para bater a inoperante esquadra cruzmaltina. Como dinamite, o bom time do Vasco de 2 anos atrás explodiu em meio a dívidas e deserções. Roberto, o ídolo-presidente, é o espelho de uma grande parcela de carismáticos políticos brasileiros. Dotado de algumas boas vontades, para si e, às vezes, à maioria, é a personificação de uma incompetência com tons de silêncio tchekhoviano. Tem trocado o comando da equipe por repetidas vezes nos últimos tempos e, com pretensões românticas e paliativas, já se apressou em empossar no cargo o velho conhecido e mal-compreendido Dorival Júnior, vitorioso na campanha do retorno à Série A, anos atrás. Será medo, esperança ou um verdadeiro amálgama de sentimentos essencialmente inseguros? O vascaíno sofre.
       
Do magro e apático 1 a zero para o Flamengo, há pouco o que se falar, senão menção honrosa ao esforço do bravo Elias, um tom de classe à meia-cancha flamenguista. Louros também ao autor do gol, Paulinho. Um gol diminuto, inversamente proporcional à vasta imensidão do abismo que separa a grandeza destas instituições e a limitada visão periférica de quem as pensa e dirige.
       
O Rio não tem mais estádios, pode? Tem rios de dinheiro público rolando nos mais obscuros campos do entendimento humano; o Maraca tem dono - o ex-homem mais rico do Brasil - botafoguense e o Botafogo também não têm onde jogar. O clássico dos milhões é e sempre foi do Maraca, mas o Maraca agora tem dono. O dono de tantos milhões.
     
E nessa trama-mutreta tão brasilianista, o clássico foi parar em Brasília, a preços absurdos, para vascaínos e flamenguistas que somente conhecem as ruas das janelas de suas naves blindadas de qualquer externo distúrbio. Não menos apaixonados, talvez, mas menos interessados em bagunçar seus topetes em meio a pulos e gritos apaixonados. E este tão conservador trato é reflexo direto de tudo o quanto se pode ver deste futebol enlatado de Flamengo, Vasco e todos os outros ditos grandes no Brasil, no caldo de um espírito tão reacionário quanto de quem só pode pensar naquilo - na Copa do Mundo.

Que mesmo os mais despercebidos, distraídos ou alienados, por que não?, de uma maneira ou de outra sintam-se, ao menos, coçados pela indiferença, arrogância, rispidez, verdadeira maldade, que se reflete na realidade de suas mais íntimas paixões, como os clubes de futebol, suas casas (dos clubes e dos próprios tantos torcedores, expropriados de seu chão por decreto do padrão FIFA), suas cores e bandeiras. Que este triste Vasco e Flamengo em Brasília seja símbolo da indignação dos traídos. Um movimento duramente naturalizado guela abaixo de todos nós e que será reproduzido até quando se puder.